"O Nascimento de Vênus" & a Estrela de Vênus — parte II
- Daniela Mazoni

- 27 de jul.
- 4 min de leitura

Afrodite para os Gregos, Vênus para os Romanos — a mitologia da Deusa do Amor têm diferentes versões. A versão representada na famosa pintura "O Nascimento de Vênus" de Sandro Botticelli, começa com a eterna relação sexual de Gaia com Urano — o Deus do céu — aprisionando seus filhos dentro do útero de Gaia. Por isso, Gaia encorajou um de seus filhos — Cronos (Saturno) — a castrar Urano, causando uma separação entre eles. Foi assim que o tempo e o espaço foram criados. Os genitais de Urano foram lançados ao oceano. Emergida pela espuma criada pelas ondas — lá estava ela, totalmente formada, Afrodite. Uma Deusa de natureza dupla. Flutuando em uma concha de vieira, prestes a pisar nas costas da ilha Grega de Cyprus. Ao caminhar pela terra árida, as flores desabrocham e a fertilidade é trazida à Terra — por ela.
Como mencionei no artigo anterior — "O Nascimento de Vênus" pode ser a quintessência da arte renascentista Florentina. Apresentada por volta de 1485, esta enorme tela de Vênus nua foi revolucionária. Durante a era renascentista, os artistas eram considerados gênios, porque contavam histórias por meio de sua arte que educavam as pessoas. Pessoas que não tinham acesso a esse tipo de conhecimento, ou mesmo se tivessem, não sabiam como lê-lo. A arte educa, arte é conhecimento. E parte do brilhantismo de Botticelli foi introduzir essa nova perspectiva da celebrada forma humana à perspectiva Cristã contemporânea.
Historiadores da arte sugerem que Botticelli se inspirou na primeira escultura de nu feminino da arte clássica — a coleção de esculturas dos Médici tinha uma, que hoje é considerada um dos destaques da coleção da Galeria Uffizi. Sua pose é conhecida como "Vênus Pudica", na qual a figura feminina posiciona a mão direita em frente ao seio, enquanto a mão esquerda cobre a região pélvica feminina.

"O Nascimento de Vênus" foi feito em tela, razão pela qual historiadores da arte acreditam que tenha sido feito para uma vila no campo, já que a tela era considerada menos formal do que os painéis de madeira da época. Provavelmente foi feito para a Villa di Castello, propriedade da família Médici. Possivelmente como um presente de casamento para acompanhar a tela anterior "Primavera" — outra obra de Botticelli encomendada por Lorenzo de'Medici.
O pincel de Botticelli era mergulhado em têmpera de ovo. Uma técnica que mantém o brilho da cor ao longo do tempo. Botticelli tinha uma maneira impressionante de retratar histórias mitológicas — aliás, ele foi o primeiro artista a retratar cenas não religiosas na arte ocidental desde os tempos clássicos. O conceito de que a Arte poderia ser para o Prazer cativou os Florentinos. Como não iria?

Nesta cena etérea, cada figura parece flutuar no mesmo plano fantasioso, sem profundidade ou sombras evocando a consciência de que estamos diante de uma cena imaginária. É irreal. Vênus tem uma pele marmorizada, realçada pelas linhas escuras do contorno de Botticelli. Ela é a encarnação da Beleza. Ela é idealizada. Os cabelos dourados de Vênus, esvoaçando ao vento, são realçados por pinceladas de ouro, já que Botticelli foi inicialmente treinado como ourives, e ele era definitivamente talentoso nisso.
Toda a cena ondula com uma sensação de movimento, o que era impressionante para a época. À esquerda, Zephyrs — entidades dos ventos quentes da primavera — sopram Vênus para a costa. Rosas voam pelo céu, cada flor abrindo seu coração dourado para refletir o brilho da própria Vênus.
À direita, Vênus é saudada por Horae — o espírito gentil das estações — que a envolve em um manto cor de pêssego bordado com margaridas. Aqui, Horae é a encarnação do verão, com seu vestido bordado com prímulas e centáureas, sua cintura envolta por um cinto de rosas e um colar de murta — cada detalhe uma referência à flora sagrada de Vênus. O chão transborda de anêmonas e outras flores de verão, enquanto o laranjal ao fundo evoca o lendário jardim das Hespérides — ou talvez preste homenagem à família Médici, para quem a laranjeira era um símbolo de legado e poder.
No simbolismo Cristão, a concha se refere ao batismo e ressurreição. Mas aqui, ela alude ao profundo vínculo de Vênus com o mar — e aos mistérios da feminilidade e da criação. Botticelli, sempre o contador de histórias, introduz outro segredo: os juncos no canto inferior esquerdo da pintura. Eles não prosperam na costa salgada. Você pode se perguntar por que eles estão lá. Talvez sejam uma alusão ao poder perdido de Urano, mais um fio na tapeçaria do mito. Assim Botticelli nos lembra: esta não é a realidade, mas o terreno fértil da nossa imaginação.
Enfim, "O Nascimento de Vênus" é mais do que uma obra-prima — ainda maravilha nossos olhos do século XXI — mas também é um reflexo da perspectiva da era renascentista. Vênus, a Deusa de natureza dupla, representa não apenas a Beleza e o Amor, mas também o desejo. O magnetismo de Vênus molda a cultura que valorizamos como indivíduos e como grupo. Como Bettany Hughes evoca: "Nós realmente temos que explorar qual o papel do desejo na sociedade". A cultura está sempre evoluindo. A Estrela de Vênus está sempre evoluindo. E agora, o pincel está em nossas mãos.
¿ O que tu desejas ?
Vivre in amour,
Daniela
